sexta-feira, 29 de abril de 2005

Auto Reparadora Central

Puto da vida - por ter sido abalroado por um fogareiro (Sr. fogareiro, como diria o PdG) em fúria, que levantou o carro do chão e pôs o M. a chorar e a dizer que tinha ouvido tiros - entro na garagem, na manhã seguinte, para orçamentar o dano.

Sou recebido ao som do Don't cry for me Argentina, entoado em coro pelo bate chapas, o pintor e o mecânico, do fundo das almas nada entranhadas pelas manchas de tinta e óleo que carregam nas roupas e nas mãos que transformam as minhas mãos, naquele instante do cumprimento, em mãos de senhora bem tratada num qualquer centro estético da capital.

terça-feira, 26 de abril de 2005

Não que precisássemos,

porque não haveria silêncios incómodos entre nós, mas o iTunes em party shuffle é uma maravilhosa companhia.

A nova decadência

da tv nacional não é a quinta das celebridades, não é o Herman - que já ninguém lhe liga, com as stripers escritoras e os transsexuais decadentes, a cantarem em playback uma música a dar ares de techno mas mexendo os lábios ao ritmo de um fado marialva - mas um pretenso programa de apanhados/ teste a fidelidade do seu conjuge/ veja se o seu sócio é sério/ se o seu filho gosta de si/ se você gosta de si, mas com miúdos de 16 anos, sentados numa esplanada ao pé da escola secundária, de que só vi e verei a apresentação.

Há uns dias, olhava-se para estes programas, importados desse grã-mestre da tv, o Brasil, com a tranquilizante desculpa de que os protagonistas eram adultos, que sabiam o que faziam, e que a apanhadora merecia sofrer porque quis jogar e que o apanhado merecia sofrer porque não conseguia ser mais forte que a moral de meia tigela do mainstream audiovisual.

Agora, que nos tornamos mais complacentes ainda, a idade já não interessa. E é só mais um degrau.

Da estante verde

Johny the kid

na relva, a rebolar com o J. e o Baia "outra vez, outra vez, só mais uma!", a puxar pelo G, "remata com o esquerdo, corre, corre para o espaço vazio", e o M. atrás, "xaço jagio, pai, xaço jagio, pai".Rodo o Baia, o J. e o G. até ficarem tontos, tontos a cair, e pedem mais, e mais, e caem, e caem.

Eu, o M. e o D. jogávamos à bola, na relva, com os miúdos das outras casas. E ninguém nos ganhava, nem ganha, nem quando o D., à baliza, apanhava bichos e plantas enquanto a bola entrava...

E o F, vindo de casa, com as cartas, e os conjuntos, por cores, por famílias, por parentescos, e uma insondável combinação de variáveis "made in Xi", em que os elementos das famílias se pegavam ao colo - o resto não percebi mas joguei e disfarcei.

O jogo era meu ou dos meus irmãos e resistiu, naquela casa, até hoje, em que foi eleito o objecto transitivo do F.

Abraçado, por trás, pelo G., o empregado da semana, a dizer, "muito giro esse jogo, tio", e o pai, o tio, a adormecer na relva para fazer de monstro a que os quatro primos têm de roubar os tesouros, e gargalhada, e molhada e os putos ganham, depois de tudo roubado à baleia anfíbia.

A piscina era de plástico, cor de laranja, e num ano bom, houve um upgrade de uma de dois níveis para uma de quatro, e passávamos horas a correr, de um lado para o outro, para saltarmos lá para dentro. No fim de verão a piscina era tirada a ficávamos todos a ver o círculo mágico que deixava marcado na relva.

A S., a J e o M. deixam-me dormir até ao meio dia. Depois de mim, só acorda o T., o nosso hóspede, que compensa o seu silêncio com a gargalhada com que brinda as nossas estórias da véspera.

O fim de semana acaba, com a viagem de regresso, declarações de amor a 4 e o meu cantil cheio, que o F. nos ama, em versão G, "como de ir da terra a todos os planetas e voltar" ou, em registo próprio, "como se uma pessoa estivesse a contar até 160 mil e infinitos".

sexta-feira, 22 de abril de 2005

Onde está o wally?

Excesso de intimidade, violação, invasão, é o que sinto quando sou obrigado a tocar na escova de dentes (velha, gasta, usada) que a colega que eu mais odeio deixou em exibição no lavatório do wc, em exibição pública bigbrotheriana que me repugna ao ponto de pegar na escova, enojado, com os dedos em pinça, e arrumá-la dentro do armário, entre pochetes femininas presumivelmente com objectos de higiene intima diária (ou não), pastas de assuntos sem dossier, arquivo morto e anexos de processos crime que nunca ninguém leu ou lerá.

quinta-feira, 21 de abril de 2005

e, nem de propósito

volto ao verdinho (cuja D.Dona H. apelida - e creio que bem - de snack), onde sou recebido pela lilás, que atira, à minha chegada, de chofre, como se tivesse lido o post de ontem: "está-se a rir?"

Com a consciência pesada pela instrumentalização de ontem, já corado e tenso, arrisco um "é o seu ar de má que me faz rir" e paro a boca por aqui, mas ainda me oiço dizer "de nervoso".

A C. vela por mim: "não pense tanto, não pense tanto" e, da mesma penada, brinda-me com o nome da colega que tanto me atemoriza e que o PdG, sem hesitação, chamaria de sufragista:

"Ó Pimenta, posso levar a loiça?"

Duvido que Pimenta seja nome próprio e, também por isso, não tem direito a inicial.

quarta-feira, 20 de abril de 2005

Spots - Take 1 - O verdinho

nem se chama assim e é, como o próprio nome indica, um lugar popular.
Ao contrário do que o nome indica, não tem nenhuma ligação com o Sporting. Nenhuma, porque os donos são tão pardacentos que aquele balcão não se alimenta dessas conversas, mas apenas de rapidez, eficiência e alguma - q.b. - simpatia.
No verdinho encontro colegas de escritório, em passagens fugazes ou de auto comiseração por não almoçarmos sentados.
No verdinho encontra-se a D.H. dona, sempre vestida - que não se farda - e sempre com aquele seu ar potencialmente frígido de quem encara a sexualidade como dever de ofício que surpreenderia todos os que não conhecessem o seu marido, o Sr. V., "the king of pamonhas".
Do lado de lá do bar militam ainda 3 moçoilas do interior, todas de bata verde às riscas, mostrando as pernas sem saias ou calças - que os frigoríficos fazem um calor dos diabos! -e as sandálias de enfermeira: C., D. ou a lilás cujo nome e inicial desconheço, tal é o meu medo da sua agressividade.
E, em todo o caso e talvez por isso, continua a ser muito bom passar por lá.

segunda-feira, 18 de abril de 2005

granny

recordo, já com alguma distância histórica muito útil neste tipo de coisas, a senhora, sempre muito magrinha, sempre muito enrugada, sempre tão pitosga que assumia a alcunha de mrs. maggoo e se ria com o boneco da tv, sempre muito bem posta, sempre muito cheirosa, sempre muito crítica, sempre muito cívica, sempre muito centrada, sempre muito opinativa.

e revejo-a muitas vezes, sempre de bengala, a entrar na pastelaria do bairro, para pedir uma sanduiche e uma groseille.

rito,

"conjunto de cerimónias prescritas para a celebração de um culto":

Encontro na Versalhes como 1 hora e meia de antecedência, prego excelso e mergulho no metro, compra de bilhetes de ida e volta, chegada ao Campo Grande virados para a porta da esquerda, saída pela porta do correio da manhã, buja nas roulotes perante o olhar enojado do progenitor, subida e entrada no estádio, ida rápida à casa de banho, café, subida da bancada, distribuição dos lugares, golo, esperança, intervalo, sala de convívio - rito dentro do rito - nova subida, cenários obrigatórios - "temos de marcar até ao minuto 70" - minuto '70. novo golo, mais esperança, mais golos, abraço colectivo, com desconhecidos ao barulho. Regresso no mesmo metro, distribuição familiar e telefonemas aos amigos sportinguistas, com quem, mesmo não estando, também passei aquelas duas horas que tomaram conta de mim.

segunda-feira, 11 de abril de 2005

Psícologos de trazer por casa

Sou acordado, depois de noite completa e complexa com a S., pelo M., deitado em cima de mim, mão e beijos na minha cara. E, depois, naquele seu jeito de quem avisa que nos topa à légua:

"pai, oia mim, pai; tu vai rir".

E canta: "pim pim pom pim pim pom pi".

E eu ri, claro.

Umas horas depois, o F., para o M.: "olha, tu só pensas que tens piada, mas não tens!"

Sorrimos.

sábado, 9 de abril de 2005

Bring the boys back home - the 1st comeback

uma vantagem colateral

do iPod é que os discos começam, lentamente, a regressar do carro e do escritório a casa, e, depois de uma breve e higiénica passagem pela drive de cd's do portátil, às suas saudosas caixas.

the flavour of the moment



No dizer dos Autores: "We have prepared "uma batida diferente" especially for your musical enjoyment. For the full benefits of this heady mix of beats and melodies, please secure a tranquil moment, select the right company and relax your mind and your eyes. Let our soundwaves take you to the magnificent sunsets of Ipanema beach. Allow the batuque to loosen your body and enchant your soul. Have a groovy journey, enjoy!"

terça-feira, 5 de abril de 2005

I am scared to death

.

e a memória do "afro-americano", 2 metros e 140 kilos, a derreter-se em suor, em suor de medo, confessado pelo próprio a mim e à S., dois desconhecidos, perante a impotência do amigo que só sorria e nos agradeceu, cumplice, termos passado os 3 minutos da descida a falar com ele, perdendo grande parte da viagem.

segunda-feira, 4 de abril de 2005

Os feios

são normalmente, nas histórias infantis, os maus.

Na realidade, os maus nem sempre são feios e os feios nem sempre são maus.

Tento explicar isto ao F. e deparo-me com a minha própria angústia ao beijar as faces de pessoas tão feias, tão feias, que, na impossibilidade de fechar o livro, me apetece cumprimentar de aperto de mão, apesar de isso ser potencialmente tão deslocado como desatar a correr pela sala queimando folhas de papel ou despejando garrafas sobre o tapete de arraiolos.